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sábado, 30 de janeiro de 2016
050216-futebol ofensivo e sempre arriscado-ifc-pir-2dqnpfnoa
Alguns acontecimentos
significativos da vida, de um ser humano, que tentou e tenta ser uma PESSOA.
XYZ- é um
funcionário dispensável da ABC. A condição de excedentário resume-lhe os dias a
um longo torpor profissional à espera que os anos de carreira atinjam o limite
legal ou que lhe dêem a reforma antecipada com todos os benefícios sociais.
Sentado à secretária, xyz, 54 anos, já deixou há muito de disfarçar trabalho,
esforço e até desespero. Mas a verdade é que ninguém parece importar-se. Nem
ele.
"É
como se estivesse num clube e o treinador já não me quisesse, apesar de ter
contrato por mais temporadas", resume, aproveitando referências
desportivas para descrever o que é "estar fora das quatro linhas" da
empresa, ou "descer de divisão" no banco ou até candidatar-se
inutilmente "a todas as funções em campo" abc, onde trabalha desde
1966 como controlador que agora só tem lugar garantido "no banco de
suplentes".
Por tudo
isto, abc vive quando pode a dois palmos da realidade. A insistência nos
exemplos futebolísticos demonstram-no. Os longos e solitários passeios pela
sede da abc ilustram essa fuga para o imaginário. E um anúncio, colocado há
três anos, no jornal "Ocasião" e na secção de classificados do
"Independente" denunciam a tendência para acreditar em fábulas ou
simplesmente na mais inverosímil das hipóteses “Treinador de futebol diplomado, todas as categorias, sem padrinhos nem
afilhados (...) Zona de Lisboa e arredores.”
Apesar da
absoluta originalidade do anúncio, o bancário assegura que em três anos
recebeu um convite de uma associação de emigrantes na Suíça que lhe ofereceu
500 contos por mês, casa e automóvel. Mas que recusou porque quer cumprir os 36
anos de serviço na abc. Desde então, o telefone, para este efeito, nunca mais
tocou, no entanto continua a acreditar que vão surgir outras oportunidades.
"Tenho a carteira profissional tirada em 1972 num curso
do Sindicato de Treinadores de Futebol. Um dos meus professores foi o grande
Mário Wilson", sublinha, mencionando imediatamente depois o grande trunfo
da sua candidatura: "Sou independente. Não tenho padrinhos nem enteados. E
já fundei dois clubes, o Botica e o Independente", ambos em Loures, nos
arredores de Lisboa.
Também
nunca se sindicalizou, nem pertenceu a nenhum partido ou sequer aceita situar
as convicções partidárias na esquerda ou na direita. Mas também não é um
bancário anarquista e detesta sentir-se pressionado. Quando treinou a equipa do
Banco de Portugal durante um ano, pôs em prática uma das suas certezas
estratégicas mais profundas: fazer em qualquer circunstância três substituições
ao intervalo para "motivar os jogadores".
O
resultado foi dramático: a equipa amotinou-se e fez um abaixo-assinado para que
desistisse da medida. "Pois fui-me embora e não aceitei", resmunga,
recordando outro episódio para atestar a solidez de princípios: "Quando
treinei o Caixa Geral, resisti tanto às pressões dos seccionistas, que acabaram
por não me renovar o contrato."
Sportinguista
sem momentos de fraqueza, seguidor do estilo inglês de jogar à bola, adepto da
máxima o "desporto para os atletas" e alérgico a "dirigentes
demasiado interventivos", o funcionário-treinador faz outra promessa aos
potenciais interessados. "Um futebol ofensivo e sempre arriscado. Mas se
os resultados não aparecerem, não quero receber salário." Até agora,
ninguém se deixou convencer, e até esse dia continuará a picar o ponto na sede
do Campo Pequeno.
DECIDIR-EM-VEZ-DE-PEDIR-pir-ifc
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